O Declínio dos Cursos de Administração nas IES e os Riscos Estratégicos para as Organizações

A diminuição da formação em Administração revela um risco crescente para empresas que dependem de competências gerenciais para inovar, competir e se manter sustentáveis.

Adailton Mendes Galvão

11/26/20256 min read

Nos últimos anos observou-se, em várias regiões, uma redução relativa na demanda por cursos tradicionais de Administração (graduação e pós) acompanhada por ajustes na oferta por parte de Instituições de Ensino Superior (IES). Esse fenômeno se explica por fatores demográficos (queda de população em idade universitária), mudança de preferências por cursos orientados a tecnologia/engenharias, percepção de menor diferenciação competitiva do diploma de Administração e aumento de alternativas de formação (microcredentials, cursos técnicos, bootcamps e EAD).

Para as organizações, a diminuição do fluxo de formandos em Administração tende a agravar lacunas de competências gerenciais, fragilizar pipelines de liderança, e implicar riscos para a sustentabilidade financeira, social e ambiental — sobretudo em empresas de porte médio e regionalizadas que dependem de quadros administrativos locais. Recomenda-se que organizações e IES coopem ativa e estrategicamente (parcerias, requalificação interna, curricula modulares) para mitigar riscos e transformar a mudança em vantagem competitiva.

1. O que está acontecendo? (situação e evidência)

  • Tendência estatística no Brasil: O Censo da Educação Superior e levantamentos setoriais mostram alterações importantes na composição de cursos e na modalidade (crescimento do EAD) e indicam desafios para o preenchimento de vagas em certas áreas e instituições. Há sinais de desaceleração do crescimento de oferta/ocupação em cursos tradicionais em algumas regiões.

  • Tendência global (business education): Relatórios de associações e veículos especializados apontam queda de candidaturas em programas de negócios (ex.: queda em partes do mercado de MBAs e programas de mestrado em administração), com desdobramentos para escolas de negócios em países desenvolvidos e emergentes. A percepção entre diretores de escolas é de que a "crise demográfica" e a mudança nas preferências dos estudantes são ameaças centrais.

2. Principais causas do fenômeno (análise aprofundada)

  1. Mudanças demográficas — menor coorte de jovens em idade universitária em vários países/regiões reduz o “pool” natural de candidatos, forçando as IES a reavaliar oferta e portfólio. Muitas escolas veem nesse “declínio demográfico” a principal ameaça futura.

  2. Substituição por formações técnicas e de tecnologia — a percepção do mercado valoriza habilidades técnicas (dados, programação, produto, marketing digital). Cursos curtos, bootcamps e microcredentials oferecem trajetórias mais rápidas ao mercado de trabalho, desviando parte da demanda.

  3. Percepção de baixa diferenciação do diploma — o bacharelado em Administração, muitas vezes padronizado, perdeu parte do apelo quando comparado a formações com certificações técnicas ou experiência prática imediata.

  4. Crescimento do EAD e reconfiguração da oferta — a expansão do ensino a distância rearranja volume e localização das matrículas; algumas IES reduzem turmas presenciais tradicionais. No Brasil, o número de cursos EAD cresceu fortemente, alterando dinâmica de oferta/demanda.

  5. Fatores econômicos e percepção de empregabilidade — crises econômicas, custo/benefício do ensino superior e dados de empregabilidade setorial influenciam escolhas de cursos. Em alguns contextos, potenciais alunos optam por cursos com retorno de curto prazo.

3. Efeitos sobre as organizações (foco: sustentabilidade — financeira, social e ambiental)

3.1. Lacunas de competências gerenciais e pipeline de líderes

  • Menos graduados em Administração implica menor oferta de profissionais com formação formal em gestão, planejamento e controles. Isso reduz a reserva de talentos para posições de coordenação e supervisão, forçando organizações a: (a) promover por afinidade/experiência prática; (b) terceirizar funções de gestão; ou (c) investir pesadamente em treinamento interno. Essas alternativas têm custos e riscos (menor padronização, inconsistência em práticas de governança).

3.2. Impacto na sustentabilidade financeira

  • A ausência de quadros bem formados em finanças e controle pode levar a decisões subótimas de investimento, orçamento e precificação — afetando cash-flow e capacidade de reinvestimento. Empresas regionais que dependem de talentos locais sentirão o impacto mais cedo. (Evidência empírica sobre relação entre gestão de talentos e performance sustentável em estudos de caso acadêmicos.)

3.3. Impacto na sustentabilidade social e de governança (ESG)

  • A gestão de temas ESG requer conhecimento integrado (governança, compliance, avaliação de riscos socioambientais). A menor oferta de profissionais com formação em gestão multidisciplinar enfraquece a capacidade organizacional de planejar e executar agendas de sustentabilidade coordenadas, prejudicando reputação e conformidade regulatória.

3.4. Inovação e capacidade adaptativa

  • Empresas com déficit de gestores formados formalmente podem ter maior dificuldade em institucionalizar processos de inovação, gestão de mudanças e projetos estratégicos — o que reduz resiliência em ambientes voláteis. Estudos associam práticas de gestão de talentos com desempenho sustentável.

4. Por que isso afeta realmente a sustentabilidade — quadro sistêmico

Sustentabilidade organizacional não é só ambiental: é a convergência entre boa governança, viabilidade financeira e impacto social positivo. A menor entrada de profissionais formados em Administração fragiliza simultaneamente:

  • Governança (controle interno, compliance, planejamento estratégico);

  • Capacidade financeira (orçamento, avaliação de projetos, controle de custos);

  • Capital humano (pipeline de líderes e cultura gerencial).

    Sem esses componentes integrados, métricas ESG, certificações e competitividade de longo prazo ficam vulneráveis. Estudos empíricos mostram que políticas de gestão de talentos e desenvolvimento influenciam performance sustentável.

5. Recomendações práticas (para organizações e IES) — plano executivo e ações de curto a médio prazo para organizações (empresas):

  1. Mapear competências críticas e criar pools internos — identificar gaps em finanças, operações, RH, compliance e criar rotas de desenvolvimento (12–18 meses) com trilhas modulares (microcredentials internos).

  2. Parcerias com IES e cursos técnicos locais — cotutela de estágios, projetos aplicados (PBL), cátedras corporativas e programas de trainee/internship remunerados para capturar talentos precocemente.

  3. Investir em formação acelerada (upskilling/reskilling) — currículos híbridos (micro-certificates + prática) para converter profissionais técnicos em gestores.

  4. Recrutamento por potencial e dados (skills-based hiring) — usar avaliação de competências e projetos práticos em vez de depender apenas do diploma.

  5. Governança: criar “núcleos de sustentabilidade” multidisciplinares — alianças entre operações, finanças e RH para garantir que faltas de formação não afetem agendas ESG.

Para Instituições de Ensino Superior (IES):

  1. Reformular currículos por competências — modularizar o curso de Administração (trilhas: dados & analytics, ESG, gestão de produto, empreendedorismo) para aumentar relevância e empregabilidade.

  2. Microcredentials e stackable credentials — oferecer certificados curtos que possam se somar a um bacharelado ao longo do tempo.

  3. Alianças empresa-IES para projetos reais — aumentar estágios obrigatórios, projetos patrocinados e co-orientação.

  4. Segmentação de oferta: EAD plus experiências presenciais — combinar flexibilidade (EAD) com imersões práticas para atrair públicos que trabalham.

  5. Transparência em empregabilidade — publicar dados de colocação por trilha para melhorar percepção de retorno sobre investimento.

6. Riscos se não houver reação coordenada

  • Curto prazo: dificuldade de ocupação de vagas gerenciais; aumento de custos com consultoria/terceirização.

  • Médio prazo: erosão de capacidade estratégica; perda de competitividade regional.

  • Longo prazo: fragilidade na implementação de políticas de sustentabilidade; risco regulatório e reputacional em setores sensíveis (saúde, saneamento, energia).

7. Conclusão

A diminuição relativa na oferta/procura por cursos de Administração reflete mudanças demográficas, tecnológicas e de preferências por formação. Para organizações, o risco real não é apenas escassez de diplomas, mas a perda de competências integradas que sustentam governança, finanças e agendas ESG. A resposta efetiva exige ação conjunta entre empresas e IES: requalificação, parcerias, currículos por competências e modelos modulares de formação. Empresas que anteciparem essa lacuna e investirem em pipelines internos e cooperação acadêmica transformarão uma ameaça em vantagem estratégica.

Referências

  1. Censo da Educação Superior (INEP) — portal e documentos do Censo da Educação Superior (estatísticas e indicadores).

  2. Mapa do Ensino Superior — 15ª edição / Semesp (2025) — análise sobre tendências e crescimento do EAD.

  3. Poets&Quants / Business Education reporting — artigos e surveys sobre queda de demanda em programas de negócios e preocupações de decanos (declínio demográfico como ameaça).

  4. AACSB / Masters Enrollment Trends (2024) — tendências de inscrição em mestrados e MBAs.

  5. Estudos acadêmicos sobre gestão de talentos e sustentabilidade organizacional (ResearchGate / artigos científicos que correlacionam talent management e desempenho sustentável).