Execução Orçamentária, Financeira e Contábil: Fundamentos, Governança e Prática Contemporânea
A execução orçamentária, financeira e contábil é o processo que transforma o planejamento público em resultados concretos, por meio da arrecadação e aplicação de recursos dentro dos limites legais e fiscais. Ela garante que o Estado atue com eficiência, responsabilidade e transparência, observando princípios constitucionais e normas como a Lei nº 4.320/64 e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Adailton Mendes Galvão
10/25/20256 min read


Execução Orçamentária, Financeira e Contábil: Fundamentos, Governança e Prática Contemporânea
A execução orçamentária, financeira e contábil é o eixo central da governança fiscal do Estado e o instrumento que confere concretude ao planejamento público. É nesse momento que o gestor público deixa o campo da previsão e entra no domínio da ação, traduzindo metas e políticas em resultados tangíveis. Trata-se da fase mais sensível da gestão pública, pois é nela que o dinheiro público circula, as prioridades se materializam e as responsabilidades se consolidam.
A execução orçamentária é a aplicação efetiva das dotações aprovadas na Lei Orçamentária Anual (LOA), de acordo com as diretrizes da LDO e os objetivos do PPA. A LOA é uma autorização legislativa, e não um cheque em branco: ela confere ao Executivo o poder de realizar despesas até o limite nela fixado, sempre observando o princípio da legalidade e o equilíbrio fiscal. Assim, a execução orçamentária reflete a compatibilidade entre a capacidade de arrecadação e o planejamento das ações públicas.
O processo de execução se dá em duas dimensões complementares: a orçamentária, que controla o empenho e a destinação dos créditos; e a financeira, que controla o fluxo de caixa e o desembolso dos recursos. A fase contábil, por sua vez, registra e consolida todas as operações realizadas, permitindo a prestação de contas e a análise dos resultados econômicos e patrimoniais do ente público.
1. A Execução Orçamentária e o Ciclo das Despesas Públicas
A despesa pública percorre um ciclo de três fases clássicas: empenho, liquidação e pagamento, previstas no artigo 58 da Lei nº 4.320/1964.
O empenho é o ato que cria para o Estado uma obrigação de pagamento, desde que atendidos os requisitos legais e orçamentários. É o momento em que a administração reserva parte do orçamento para um determinado contrato, obra ou serviço. Um exemplo prático ocorre quando um município empenha R$ 1,5 milhão para a construção de uma escola. Esse valor passa a constar como uma obrigação assumida, ainda que o pagamento não tenha ocorrido.
A liquidação é a verificação do direito adquirido pelo credor, baseada em documentos que comprovem a execução do objeto contratado. Seguindo o exemplo, a liquidação ocorrerá quando o engenheiro da prefeitura atestar a conclusão de parte da obra e o fiscal confirmar a conformidade com o contrato.
Por fim, o pagamento é o desembolso efetivo dos recursos — ou seja, o momento em que o Tesouro quita a obrigação após a liquidação. Esse fluxo evidencia o princípio da segregação de funções e o controle por etapas, evitando que o gestor se torne simultaneamente ordenador e executor financeiro, o que mitigaria o controle interno.
Em 2023, por exemplo, o Tesouro Nacional executou aproximadamente R$ 2 trilhões em despesas primárias, das quais mais de 93% foram obrigatórias (previdência, pessoal e transferências constitucionais). Apenas cerca de 7% do orçamento foi destinado a despesas discricionárias, o que evidencia a rigidez fiscal e a importância da eficiência na execução dessas verbas.
2. Créditos Adicionais e a Flexibilidade da Execução
A realidade administrativa é dinâmica e nem sempre o orçamento inicial é suficiente ou adequado. Nesse contexto, a Lei nº 4.320/64 prevê os créditos adicionais como instrumentos de ajuste e flexibilidade.
Os créditos suplementares reforçam dotações já existentes — como ocorre quando o orçamento para medicamentos se esgota antes do fim do exercício e o gestor precisa ampliar a dotação. Já os créditos especiais são abertos para despesas novas, não previstas na LOA, como a criação de um novo programa de incentivo à inovação tecnológica. E os créditos extraordinários, utilizados em casos de urgência e imprevisibilidade, foram amplamente aplicados durante a pandemia de Covid-19, quando a União abriu créditos superiores a R$ 600 bilhões para despesas emergenciais de saúde e manutenção de renda.
Esses instrumentos devem ser autorizados por lei e abertos por decreto do Executivo, com respaldo na disponibilidade de recursos. Tal regra reafirma o princípio da legalidade orçamentária, evitando gastos não previstos e garantindo o equilíbrio fiscal.
3. Execução Financeira: Arrecadação, Programação e Controle de Caixa
A execução financeira é a gestão do fluxo de recursos arrecadados e aplicados, observando o cronograma de desembolso e a disponibilidade de caixa. No âmbito federal, essa execução é controlada pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e operacionalizada por meio do Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI).
Por exemplo, quando o Ministério da Educação empenha recursos para repassar ao FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), a execução financeira ocorre com base na programação de desembolso, que define em qual mês e em que montante a transferência será feita. Essa gestão evita desequilíbrios de caixa e assegura a pontualidade dos pagamentos públicos.
A execução financeira também envolve o controle de restos a pagar, que são despesas empenhadas, mas não pagas até o final do exercício. O acúmulo excessivo de restos a pagar é sinal de desequilíbrio orçamentário, pois compromete a execução do orçamento seguinte. Em 2022, por exemplo, o estoque de restos a pagar da União ultrapassou R$ 230 bilhões, exigindo controle rigoroso para evitar a paralisia administrativa.
4. Execução Contábil e Transparência Fiscal
A execução contábil registra, consolida e demonstra os resultados da execução orçamentária e financeira. Ela é regida pelas Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público (NBCASP) e permite que as demonstrações contábeis reflitam não apenas o fluxo financeiro, mas também a variação patrimonial do ente público.
As principais demonstrações produzidas são:
Balanço Orçamentário, que compara receita prevista e realizada, e despesa fixada e executada;
Balanço Financeiro, que evidencia o fluxo de caixa;
Balanço Patrimonial, que mostra a posição dos ativos e passivos públicos;
Demonstração das Variações Patrimoniais, que mede o resultado econômico das operações.
Um exemplo prático é o acompanhamento dos relatórios fiscais disponibilizados pelos estados e municípios no Portal da Transparência. O gestor pode visualizar, por meio do Relatório Resumido da Execução Orçamentária (RREO), o desempenho das metas fiscais e o cumprimento dos limites de despesa com pessoal, definidos pelos artigos 19 e 20 da LRF. Essa contabilidade pública é, ao mesmo tempo, um instrumento de gestão e um mecanismo de accountability, pois traduz o desempenho fiscal em dados compreensíveis para os órgãos de controle e para o cidadão.
5. Emendas Parlamentares e Execução Obrigatória
A execução de emendas parlamentares é um exemplo emblemático da relação entre o Legislativo e o Executivo na execução orçamentária. Desde a Emenda Constitucional nº 86/2015, as emendas individuais passaram a ter execução obrigatória, o que significa que o governo deve liberar os recursos para as programações aprovadas, desde que cumpridos os requisitos técnicos.
Por exemplo, um deputado federal pode destinar R$ 1,5 milhão para a construção de uma unidade de saúde em um município de sua base eleitoral. Após a aprovação da LOA, o recurso é registrado com o código de Resultado Primário RP6, que indica sua obrigatoriedade. Caso o Ministério da Saúde não libere o recurso dentro dos prazos legais, o parlamentar pode acionar o controle judicial ou administrativo. Em 2021, segundo dados do Tesouro Nacional, mais de R$ 9,7 bilhões foram executados via emendas individuais e R$ 6,8 bilhões via emendas de bancada (RP7). Esses valores ilustram a crescente relevância política e técnica do orçamento impositivo na dinâmica federativa brasileira.
6. Desafios Contemporâneos e Tendências
O cenário atual impõe desafios significativos à execução orçamentária, financeira e contábil. O primeiro é a rigidez orçamentária, com 93% das despesas classificadas como obrigatórias. Isso limita a capacidade do gestor de planejar investimentos e políticas públicas inovadoras.
Outro desafio é a integração entre sistemas e o avanço da inteligência fiscal e contábil. A utilização de big data, blockchain e inteligência artificial na contabilidade pública começa a transformar a forma como os gestores acompanham e corrigem desvios de execução, tornando o controle interno mais preditivo e menos reativo. Adicionalmente, a execução orçamentária precisa ser vista sob a ótica da gestão por resultados, que associa cada gasto público a metas mensuráveis de desempenho. O Tribunal de Contas da União, por meio de acórdãos como o nº 540/2020, tem reforçado a necessidade de indicadores de eficiência, eficácia e efetividade para medir a entrega de valor público.
Conclusão
A execução orçamentária, financeira e contábil é muito mais do que uma rotina administrativa: é a concretização da soberania fiscal do Estado e o principal elo entre planejamento e resultados. Ela reflete a maturidade institucional de um país e a competência técnica de seus gestores. Executar bem o orçamento significa garantir responsabilidade fiscal, eficiência na alocação de recursos e transparência na gestão pública. O gestor moderno deve compreender o orçamento não apenas como uma peça legal, mas como um instrumento estratégico de governo — um verdadeiro painel de controle da política pública, onde cada despesa é uma decisão, cada crédito é uma oportunidade e cada registro contábil é um ato de cidadania administrativa.
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