A Perda da Vantagem Competitiva Brasileira pela Deficiência Logística: Uma Análise Estrutural e Estratégica
O Brasil, apesar de seu potencial produtivo e exportador, perde competitividade internacional por causa de sua logística ineficiente. Estradas precárias, portos congestionados e custos elevados tornam os produtos brasileiros menos atraentes no mercado global.
Adailton Mendes Galvão
11/1/202510 min read


Introdução
A vantagem competitiva de uma nação nos mercados internacionais depende de diversos fatores — nível tecnológico, qualidade da mão de obra, abundância de recursos naturais, custos de produção, e, sobremaneira, a eficiência logística. Em uma economia globalizada, onde cadeias de suprimentos atravessam países e continentes, a logística (transporte, infraestrutura, armazenagem, portos, modais, procedimentos aduaneiros) torna-se um fator estratégico determinante de competitividade. Para o Brasil, embora disponha de extensivo território, recursos agrícolas abundantes e potencial exportador elevado, tal vantagem está sendo corroída por gargalos logísticos que oneram seus custos comerciais e reduzem a atratividade de seus produtos nos mercados externos.
1. A logística como determinante da vantagem competitiva internacional
1.1 Conceito de vantagem competitiva
Segundo a teoria de Michael E. Porter, vantagem competitiva de nações ou regiões resulta da capacidade de produzir bens ou serviços com eficiência, qualidade e diferenciação que permitam competir no mercado global. A logística entra como um componente-chave dos custos de produção e de entrega, afeta o tempo de resposta, a confiabilidade da cadeia e, portanto, a qualidade percebida pelo cliente externo.
1.2 Logística e custos de comércio
Na literatura sobre comércio internacional e cadeias de supply‐chain, as “logistics performance” (desempenho logístico) e os custos logísticos relativos ao PIB ou ao custo total de exportação/importação são indicadores frequentemente correlacionados com a competitividade externa. Por exemplo, conforme relatório do World Bank, custos logísticos elevados reduzem o comércio inter-regional e prejudicam a inserção competitiva de empresas em cadeias globais.
1.3 Modais, integração e trade‐off tempo-custo
Logística eficiente não é apenas transportar mais rápido ou mais barato: envolve a escolha adequada de modais (rodoviário, ferroviário, hidroviário, marítimo), a integração entre eles, o uso de tecnologia, o nível de automação e governança da cadeia. Empresas e países que dominam essas variáveis tendem a ganhar vantagem competitiva porque conseguem reduzir prazos de entrega, minimizar perdas, reduzir estoques e responder rapidamente à demanda internacional. Ao contrário, países com logística deficiente enfrentam “penalidades de tempo” (tempos de trânsito longos), “penalidades de custo” (maior gasto logístico) e “penalidades de fiabilidade” (maior risco de falha ou perda), o que reduz sua posição competitiva.
1.4 Recursos naturais não bastam: a complexidade da cadeia
Uma lição adicional das pesquisas recentes é que ter recursos naturais ou matérias-primas não basta para garantir vantagem externa; a complexidade da cadeia produtiva e logística importa. Por exemplo, um estudo sobre a complexidade exportadora do Brasil mostra que, apesar de exportar muito em agrocommodities, o país ainda está distante de cadeias mais sofisticadas e que essa limitação interage com logística.
Assim, podemos sustentar que a qualidade logística de um país é parte integrante de sua vantagem competitiva internacional — e, portanto, falhas nessa dimensão implicam perda ou não aproveitamento de vantagem.
2. Diagnóstico do Brasil: por que a vantagem competitiva se perde
Neste item, analiso especificamente como os problemas logísticos brasileiros comprometem a vantagem competitiva externa, identificando os gargalos, suas causas e evidências de impacto.
2.1 Panorama logístico do Brasil
Diversos estudos e relatórios nacionais e internacionais mostram que o Brasil enfrenta custos logísticos elevados, infraestrutura insuficiente e integração modal deficiente.
· Segundo relatório da World Bank (2005, mas ainda citado), os custos logísticos agregados no Brasil eram estimados entre 17 % e 20 % do PIB, muito acima dos 10–12% de países da OCDE.
· O mercado de logística brasileira é descrito como altamente fragmentado (40% dos transportadores independentes), com infraestrutura rodoviária, ferroviária e hidroviária defasadas.
· Em termos de desempenho portuário, modais e tempo de espera, há evidências de atrasos sistemáticos.
2.2 Principais gargalos logísticos brasileiros
a) Infraestrutura deficiente e dependência rodoviária
O Brasil é um país de dimensões continentais, com produção dispersa (agroindústria no Centro‐Oeste, Norte, exportações via litoral Sul/Sudeste). Essa geografia torna essencial uma malha de transporte robusta e integrada. Contudo:
· A maior parte do transporte de cargas ainda ocorre por rodovias, que são caras e inadequadas para longas distâncias. Por exemplo, mais de 60% da carga ainda se move por estrada, enquanto apenas 12% das rodovias estão pavimentadas adequadamente.
· A infraestrutura ferroviária e hidroviária, que poderiam reduzir custos significativamente, é subutilizada ou insuficiente: “only 12 000 km of Brazil’s 42 000 km of navigable rivers” são usados.
· A extensa dependência rodoviária implica maiores custos de combustível, manutenção, pedágio, perdas por transporte e tempos mais longos de deslocamento. Em um país de dimensões como o Brasil, isso pesa fortemente para a logística internacional.
b) Portos congestionados, subinvestimento e atrasos
Portos são interface crítica entre produção doméstica e exportação internacional — qualquer gargalo aqui reverbera na competitividade.
· Os terminais granários no Brasil estavam operando a ~91% de sua capacidade em 2024, acima do limite considerado seguro, e o tempo médio de carregamento em portos como o de Porto de Santos aumentou de 10,5 dias para 17,5 dias no período recente.
· No mesmo sentido, estudos apontam que 55% dos navios num determinado mês enfrentaram atrasos ou mudanças de cronograma nos principais portos brasileiros.
· O investimento em infraestrutura logística no Brasil era de apenas 2,2% do PIB em 2024, quando o estimado necessário para atender demanda futura era cerca de 4,3%.
Esses fatores impactam diretamente os custos de exportação, reduzem a previsibilidade e aumentam riscos, o que penaliza produtos brasileiros no comércio internacional.
c) Processos regulatórios, integração modal e fragmentação do setor
Além da infraestrutura física, o ambiente institucional, regulatório e de coordenação logística também constitui barreira.
· Serviços de cadeia de suprimento no Brasil sofrem com traços culturais, fragmentação e infraestrutura que dificultam a gestão integrada da cadeia logística (“supply chain management”). Um estudo mostrou que traços culturais e infraestrutura no Brasil são barreiras à adoção de práticas modernas de SCM.
· A logística brasileira é descrita como altamente fragmentada, com muitas empresas pequenas, informalidade elevada, o que dificulta escala, padronização e adoção de melhores práticas.
· A burocracia, regulamentos sobre transporte, múltiplos impostos/regiões municipais, procedimentos alfandegários complexos também elevam o custo e tempo de logística.
d) Impactos de tempo, custo e confiabilidade
Esses gargalos combinados resultam em três tipos de penalidades para empresas exportadoras brasileiras:
· Penalidade de custo: os custos logísticos mais altos corroem margens, elevam preços finais e reduzem competitividade. Por exemplo, o transporte doméstico de soja no Brasil para porto representa cerca de US$ 109/tonelada em 2024 – uma melhoria, mas ainda alto considerando distâncias.
· Penalidade de tempo: os atrasos nos portos, os longos deslocamentos, a espera por embarque impactam o lead time para o mercado externo, o que pode inviabilizar entregas “just in time” ou responder rapidamente a demanda internacional.
· Penalidade de fiabilidade: riscos maiores de avarias, atrasos e incertezas elevam o “risco país/logístico”, o que para compradores internacionais traduz-se em custo de risco maior ou preferência por outros fornecedores mais confiáveis.
2.3 Evidências de perda de vantagem competitiva
A combinação desses gargalos leva o Brasil a perder ou não consolidar sua vantagem competitiva internacional, da seguinte forma:
· Há perda real de carga ou de receita: por exemplo, o país deixou de embarcar 637.767 sacas de café (~1.932 contêineres) em março 2025 em razão de gargalos logísticos, resultando em perda de cerca de US$ 1,57 milhão apenas naquele mês.
· Estimativas indicam que o Brasil acumula perdas anuais de cerca de US$ 750 milhões em grãos por falhas logísticas.
· No plano de competitividade, o custo elevado de logística reduz a “margem de vantagem” que o exportador brasileiro poderia ter frente a concorrentes de países mais eficientes logisticamente. Por exemplo, embora existam corredores competitivos como do RS/PR para exportar soja ao mercado chinês (~US$ 61/ton), outros corredores menos eficientes custam muito mais (US$ 109/ton).
· A competição internacional não espera: países que investem em logística, em menor tempo e custo, passam a ganhar participação de mercado, deslocando fornecedores menos competitivos como o Brasil.
2.4 Modo de pensar estratégico: vantagem perdida e não realizada
Importante notar que o problema não é apenas que o Brasil perdeu vantagem que tinha, mas também que não realizou plenamente vantagens potenciais. Ou seja, embora tenha recursos naturais e escala, a logística impede que essas vantagens se transformem plenamente em vantagem competitiva sustentável no comércio internacional.
Além disso, essas deficiências logísticas interagem com outros fatores estruturais: tecnologia, qualificação, complexidade exportadora, o que agrava o ciclo de baixa competitividade. Por exemplo, se apenas commodities agrícolas de baixo valor agregado podem ser exportadas com sucesso e a logística as torna menos competitivas, torna-se difícil avançar para produtos mais sofisticados que exigem maior qualidade logística.
3. Implicações e caminhos estratégicos para recuperar vantagem competitiva
Dada a análise, torna-se claro que se o Brasil deseja recuperar e/ou ampliar sua vantagem competitiva internacional por meio da logística, alguns vetores estratégicos são imprescindíveis.
3.1 Investimento em infraestrutura e modais
Um dos pilares é o investimento consistente em infraestrutura, com ênfase em modais alternativos à rodovia (ferrovia, hidrovia, cabotagem), aumento de capacidade portuária e integração modal.
· O Brasil precisa elevar o investimento em infraestrutura logística próximo ou acima da referência de ~4% do PIB, ao invés dos 2,2% que vinha investindo.
· A expansão e modernização de terminais portuários, com menos gargalos de espera, maior automação, deve reduzir o tempo de embarque e, consequentemente, o custo logístico.
· A integração modal deve permitir que cargas produzidas no interior sejam transportadas via ferrovias ou hidrovias até portos ou centros de exportação, reduzindo distâncias rodoviárias, custos e desgaste.
· Projetos críticos como a ampliação de hidrovias e ferrovias devem ser acelerados: no entanto, o Brasil enfrenta prazos longos para esses investimentos.
3.2 Governança logística, digitalização e eficiência operacional
Melhorar a logística não é apenas usar infraestrutura melhor, mas também gerir a cadeia logística com excelência.
· A digitalização (Internet das Coisas, sistemas de rastreio, plataformas de gestão de transporte) pode reduzir custos operacionais e melhorar a confiabilidade. Por exemplo, um artigo sinaliza que tecnologias específicas reduziram os custos operacionais logísticos no Brasil em até 20%.
· A coordenação entre atores — produtores, transportadoras, terminais portuários, governo — é essencial. A fragmentação do setor logístico brasileiro dificulta essa coordenação.
· A simplificação regulatória, o aperfeiçoamento dos procedimentos aduaneiros, o estabelecimento de corredores logísticos especiais para exportação e a melhoria na previsibilidade (lead times, controle de estoques, etc.) devem formar parte da estratégia.
· A adoção de melhores práticas de supply‐chain management (SCM) adaptadas ao contexto brasileiro — considerando os traços culturais e estruturais — pode ajudar a fechar o gap entre teoria e prática no Brasil.
3.3 Estratégia de valor agregado e diferenciação exportadora
Dado que a logística influencia fortemente a competitividade externa, é importante que o Brasil vincule melhorias logísticas a uma estratégia de aumentar o valor agregado de seus produtos exportados.
· A redução de custos e tempos logísticos permitirá que produtos com maior valor agregado ainda consigam competir em preço/qualidade no mercado externo, e não sejam apenas commodities de baixo valor.
· A capacidade de atender prazos internacionais mais exigentes, de garantir qualidade de entrega e de responder rapidamente à demanda global é diferencial de competitividade.
· O Brasil pode ainda focar em nichos onde a logística interna é menos penalizante (ex: regiões mais próximas ao litoral, corredores com infraestrutura melhor), enquanto investe em melhorar a logística para as regiões mais remotas.
3.4 Implicações para empresas e governos estaduais/regionais
· Para empresas exportadoras, o reconhecimento dos gargalos logísticos como parte do custo competitivo é obrigatório. A empresa deve incorporar em sua análise de viabilidade internacional não apenas o custo de produção, mas os custos logísticos reais, as incertezas de tempo e os riscos de atraso.
· Para governos estaduais, regionais e federal, o desafio é coordenar políticas de infraestrutura, regulação, e logística integrada para reduzir o “Custo Brasil” logístico. A articulação público-privada pode ajudar a viabilizar grandes projetos de infraestrutura.
· Em particular para regiões produtoras interiores (ex: Centro-Oeste, Norte), que distam dos portos e têm infraestrutura logística mais frágil, um esforço concentrado na melhoria modal e integração logística é fundamental para que possam converter sua produção em vantagem competitiva.
Conclusão
Em resumo, o Brasil, apesar de possuir grandes vantagens naturais — território extenso, recursos agrícolas e minerais, escala produtiva — vê-se penalizado no comércio internacional pela deficiência de sua logística. A vantagem competitiva, que poderia derivar desses recursos, esbarra em custos logísticos elevados, tempos de entrega longos, infraestrutura subutilizada e governança logística insuficiente. Esses fatores reduzem a competitividade dos produtos brasileiros no exterior, aumentam o risco/logístico e inibem a evolução para exportações de maior valor agregado.
Para resgatar e ampliar sua vantagem competitiva, o Brasil precisa de uma abordagem estratégica que combine investimentos em infraestrutura e modais, digitalização e governança logística eficiente, e uma orientação para elevar o valor agregado de suas exportações. O desafio é complexo — envolve dezenas de milhares de quilômetros de redes de transporte, múltiplos entes federativos, atores privados diversos e elevados custos —, mas não é insuperável. Se bem executado, pode transformar um gargalo logístico em diferencial competitivo.
Referências
BALLOU, Ronald H. Logística Empresarial: transportes, administração de materiais e distribuição física. São Paulo: Atlas, 2006.
BULLER, Luz Selene. Logística Empresarial. Curitiba: IESDE Brasil, 2012.
CHRISTOPHER, Martin. Logística e Gerenciamento da Cadeia de Suprimentos: estratégias para a redução de custos e melhoria dos serviços. 2. ed. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2008.
COSTA, André L.; FLEURY, Paulo F.; WANKE, Peter. Supply chain management practices in Brazil: barriers and perspectives. Gestão & Produção, v. 29, e159, 2022. DOI: 10.1590/1806-9649-2022v29e159.
INSTITUTO INSPER AGROGLOBAL. Brazil needs to transform agribusiness logistics from a bottleneck into a competitive advantage. São Paulo, 2024. Disponível em: https://agro.insper.edu.br/en/media/Articles/Brazil-needs-to-transform-agribusiness-logistics-from-a-bottleneck-into-a-competitive-advantage. Acesso em: 31 out. 2025.
TRACEDATA RESEARCH. Brazil Logistics and Warehousing Market Report 2024. São Paulo, 2024.
WORLD BANK. Brazil: Transport Costs and Logistics. Washington, D.C., 2005.
WORLD PORTS ORGANIZATION. Brazil loses billions due to congested ports and outdated ships. Londres, 2024. Disponível em: https://www.worldports.org. Acesso em: 31 out. 2025.
Contato
cacariservicos@gmail.com
Caçari Serviços Empresariais Ltda.
CNPJ 16.528.498/0001-08
Boa Vista - Roraima
+55 (95) 98118-0895
© 2025. Caçari Serviços LTDA. All rights reserved.
